O Governo do Estado do Ceará, por meio da Secretaria do Turismo (Setur), foi denunciado, nesta quarta-feira, por irregularidades em contratações destinadas à construção da obra denominada Acquário Ceará. A denúncia, elaborada pelo Movimento Quem Dera Ser Um Peixe, que vem questionando a obra, foi protocolada junto ao Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e Tribunal de Contas do Estado do Ceará. O documento está dividido em sete tópicos.
No primeiro tópico do documento, denominado DO CABIMENTO DA PRESENTE DENÚNCIA, justifica-se a iniciativa a partir de dispositivos da Constituição Federal, da Constituição do Estado do Ceará de 1989 e da legislação federal.
No segundo tópico da denúncia, intitulado DO DESCUMPRIMENTO DA REGRA CONSTITUCIONAL DE LICITAR, registra-se que, para a contratação da empresa Internacional Concept Management, o Governo do Estado não realizou licitação, preferindo optar pela inexigibilidade. Ocorre que, na inexigibilidade, “não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que atenda as necessidades da Administração”, conforme doutrina citada em obra da especialista em Direito Administrativo, Maria Sylvia Zanella di Pietro. Na inexigibilidade, portanto, a licitação seria inviável.
O problema é que há várias empresas que constroem aquários. De acordo com informações no Blog do aquário, dos 250 maiores aquários do mundo, 215 foram construídos pela empresa. Ou seja, o próprio governo do estado admite que há outras empresas, além da contratada, que constroem aquários. Logo, para a realização da obra, a licitação é obrigatória, já que há possibilidade de competição. Ademais, se obras bem mais complexas que um aquário, como usinas hidrelétricas e aeroportos, são contratadas mediante licitação, não se entende o porquê da inexigibilidade de licitação para fazer um aquário.
No terceiro tópico da denúncia, DO ENQUADRAMENTO INDEVIDO NO INC. II DO ART. 25 DA LEI 8.666/1993, aborda-se o enquadramento utilizado pelo Governo para inexigir a licitação: o Inc. II do art. 25 da Lei 8.666/1993, o qual prevê que é inexigível a licitação para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13. Como se vê, esse dispositivo só é passível de ser utilizado para os serviços previstos no art. 13: estudos técnicos, planejamentos e projetos; pareceres, perícias e avaliações; assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; restauração de obras de arte e bens de valor histórico.
Não há, nessa lista, nada que se assemelhe à construção de um aquário, pelo simples fato de que uma obra não pode ser considerada como um serviço técnico profissional especializado. No máximo, a ICM poderia ser contratada diretamente para gerenciar a obra do aquário ou para fazer o projeto, mas os materiais e os serviços necessários para sua construção deveriam ser obrigatoriamente licitados. Incorreto o enquadramento do Governo do Estado.
A denúncia, em seu quarto tópico, versa sobre CONTRATAÇÃO SEM A PREVISÃO DOS RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS. Conforme amplamente noticiado, a obra do aquário foi iniciada sem que o empréstimo internacional de US$ 105 milhões a ser contratado junto ao Ex-Im Bank, autorizado pela Lei Estadual 14.937/2011, fosse formalizado. Verifica-se que o recurso que permitiria a execução da obra do aquário ainda não foi assegurado e, portanto, corre-se o risco de a obra não ser concluída. Além disso, esse empréstimo ainda não teria sido autorizado pelo Senado Federal, conforme prevê o inc. V do art. 52 da Constituição Federal.
Sob o título DO VERDADEIRO MOTIVO PARA A NÃO REALIZAÇÃO DA LICITAÇÃO, o quinto tópico da denúncia destaca, de início, que o Ex-Im Bank não é um banco no sentido estrito da palavra, tendo em vista que ele não empresta dinheiro, mas faz a intermediação para a obtenção de empréstimos junto a bancos privados norte-americanos. Nesse sentido, o artigo primeiro da Lei Estadual 14.937/2011, que autorizou a contratação do empréstimo internacional de US$ 105 milhões junto ao Ex-Im Bank, pode não ter nenhuma validade. A não ser que haja uma exceção e o empréstimo saia efetivamente dos cofres da agência.
Ocorre que, conforme mencionado no texto da denúncia, para que seja obtido o financiamento, pelo menos 50% dos produtos a serem adquiridos devem ser produzidos nos EUA. Eis o verdadeiro motivo para a contratação direta da ICM, pois se for feita a licitação, essa condição de contratar pelo menos 50% dos produtos nos EUA não poderá ser garantida. Isso porque a Lei das Licitações proíbe que sejam incluídas condições que estabeleçam preferências em função da sede ou domicílio das licitantes, conforme prevê o art. 3o, parágrafo primeiro, inc. I.
Conclui-se, portanto, que caso fosse feita a licitação, o empréstimo pretendido não seria efetuado. Contudo, o mandamento constitucional é claro ao estabelecer que somente para os casos previstos na legislação é que pode ser dispensada ou não exigida a licitação, e este não é um desses casos. Dessa forma, embora se considere que a intenção do governo é a construção de uma obra que desenvolva o turismo no Ceará, o aquário não pode ser contratado por inexigibilidade, nem por dispensa, por absoluta falta de previsão jurídica para tanto. Como se vê, a operação com o Ex-Im Bank é típica do setor privado, o qual pode tudo o que a lei não veda, ao contrário do setor público, que somente pode o que a Lei prevê.
O tópico VI, intitulado DA POSSIBILIDADE DE DANO AO ERÁRIO, expõe os gastos que estão previstos, alguns já efetivados, para a realização do aquário: contrato com a ICM, sem licitação por inexigibilidade, no valor de 244.335.000,00; contrato, a partir de licitação, da empresa CG, no valor de R$16.900.524,00, para construção da estrutura de concreto; contrato, a partir de licitação, com a empresa Arcelormital Projects América do Sul Comércio, Exportação e Importação Ltda, no valor de R$ 3.143.729,60 para aquisição de pranchas metálicas.
Já foram pagos R$ 876.000,00 para a empresa norte-americana ICM, mas não se entende qual a obrigação que foi liquidada e paga. Na descrição da despesa, informa-se que se refere a dois produtos entregues e aprovados. Segundo a nota de empenho, a despesa foi paga ainda em 2011, no dia 13/12, mas a liquidação somente se dará em 12/11/2012. Trata-se, provavelmente, de um erro de sistema, já que a data de liquidação não pode ser maior que a data de pagamento, pois a legislação pátria não permite a realização de pagamentos antecipados.
Está previsto um gasto total em R$264.448.640,55 a partir dos contratos que já foram identificados. Há ainda gastos de desapropriação de terreno e com fornecimento dos animais para o aquário, os quais não estão incluídos nesse número. Diante da materialidade desse valor, solicita-se a suspensão da obra até que sejam apresentadas respostas para os questionamentos apontados.
É necessário ainda que seja esclarecida a relação entre a empresa Imagic e seu proprietário, Leonardo Fontenele, e o Governo do Estado, tendo em vista que não há registros de contratos entre as partes no DOE, mas esse senhor apareceu reiteradas vezes na imprensa falando em nome do Governo e sobre o aquário. Inclusive, na página da empresa, ela se apresenta como líder da equipe que vai construir o Acquário.
A denúncia é concluída no tópico VII, denominado DO PEDIDO, que, diante das considerações feitas e tendo em vista a possibilidade dos gastos continuarem mesmo diante de patentes ilegalidades, requer medidas liminares para que sejam suspensas as execuções das obras previstas nos contratos com as empresas CG Construções e International Concept Management (ICM) até a análise de mérito de todas as irregularidades constatadas na condução dos processos de contratação da obra Acquário Ceará.
No pedido, é requerida também a intimação dos responsáveis pela condução do processo de construção do Acquário Ceará, para apresentarem justificativas sobre as ilegalidades, e que seja determinado à Secretaria do Turismo do Governo do Estado do Ceará que torne disponível, em meio eletrônico de acesso público, todas as informações e documentos referentes à obra, em especial, o processo de contratação da ICM, as relações do governo com a Imagic e os dados das despesas efetuadas em 2012.
No mérito, requer-se que seja fixado prazo para que o Governo do Estado, por intermédio de sua Secretaria do Turismo, adote as providências necessárias ao exato cumprimento da Lei, conforme prevê o artigo 49 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado, anulando o contrato com a International Concept Management (ICM) e atos posteriores à assinatura do mesmo, e promovendo a licitação para a construção do Acquário Ceará, em atendimento ao que exige o inc. XXI do art. 37 da Constituição Federal.
O movimento segue analisando outros aspectos da referida obra e dentro em breve faremos representação também do ponto de vista ambiental, onde já identificamos sérias irregularidades no Estudo de Impacto Ambiental -EIA/RIMA aprovado pela SEMACE.
Fonte: Blog Quem dera ser um Peixe.
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